Receita para a vida
— Uma orgia gastronômica em prol do bem
encontre um copo,
de preferência largo e alto,
encha-o até a boca de certezas e convicções
e reserve, noutro recipiente, apenas uma dúvida
(uma só, que apesar de única pode ser a gota)
em uma vasilha grande e rasa,
untada com medo e farinha,
distribua punhados de insegurança
(guardando um bom espaço entre os montinhos):
veja como crescem e se fundem numa só mistura
que pode até estraçalhar a porcelana
leve ao forno pré-aquecido por uma paixão doentia
uma terrina com um polpetone de carinho;
cubra-o com ciúme à bolonhesa
e deixe cozer por uma vida:
o molho ferve, mas a carne permanece crua
ponha, enfim, os talheres à mesa:
à direita, faca de dois gumes
(para cortar comida e olho-gordo);
à esquerda, um tridente como garfo
(para aguçar a gula do glutão);
no centro, o prato principal: a vida
tempere-a com ervas e especiarias,
sálvia, manjericão, loro, cominho
—coentro, não!!!—
e engula-a sem mastigar,
dilatando a goela para que ela entre sem partir
como sobremesa,
ingira bons frutos de uma árvore frondosa
sob sua sombra;
nutra a alma com os instintos da razão
e não alimente os (instintos) animais
São Paulo, 6 de Janeiro de 2003
4 comentários:
Nossa! As poesias e a música no cantinho'ego trip', lindas!! No meu caso, tenho que me esforçar para conseguir encher um copo largo de certezas e convicções e outro com apenas uma dúvida. Faço sempre o contrário! Vou tentar seguir sua receita :-)
o bom é quando cada um leva uma receita e a gente junta todo mundo e saboreia o mais devagarinho possível pra aproveitar o máximo que der. mesmo quando os medinhos grudam tudo uns nos outros, ou mesmo se os temperos estiverem sem graça, ou ainda se a vida entalar na garganta, vai ser sempre bom porque a gente está com os amigos à mesa. (da cozinha, claro!)
poesia, hmmmmmm
o cara tem q ser muito macho pra fazer poesia... rs
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