sexta-feira, março 06, 2009

Intolerância, modos e ironia na educação de adolescentes

O Friburgo era um colégio bastante tolerante. Algumas vezes, até demais. Mas os professores, via de regra, consentiam com um volume considerável de conversas paralelas de alguns alunos mais levados, como o Duda, o Rafa, o Fabio etc.

Eu, como sempre, mantinha uma postura responsável e inatacável, fazendo comentários pertinentes e adequados ao contexto. (Se você que me lê não tem sensibilidade à ironia, pare agora pois a coisa tende a piorar).

Mas mesmo os seres humanos sensacionais como eu têm seus deslizes. Numa aula cansativa de Biologia, com a professora e língua-presa Selma, havia um contexto qualquer pra eu andar pela sala. Sabe uma dessas situações em que claramente o professor quer que a gente ande pela sala? Então, numa dessas caminhadas, sem querer, dei uma topada séria no pé de uma carteira e, numa atitude digna de qualquer cidadão correto, dei um grito de fúria e dor.

- Puta que me pariu! Caralho!

A Selma, professora, lingua-presa e coxa-creme, ficou possessa com minha interjeição e me repreendeu duramente.

- Marcio, você acha que está na sua casa? Ninguém aqui é obrigado a ouvir seus maus modos!
- Mas, Selma, eu tropecei na mesa e gritei de dor...
- Não me interessa, na próxima você vai pra Diretoria!

A Diretora era a Dayse. Não lembro se Dayse ou Daysi - ou talvez Daisy - mas sei que era com ipsilon. A Daysi era até bastante calma, mas a gente tinha medo da autoridade dela. Ela tinha o cabelo tingido de roxo, o que a deixava parecida com o Walter Dávila. E provavelmente porque a gente sabia que as pessoas que têm ipsilon no nome e parecem o Walter Dávila são instáveis e imprevisíveis, ficávamos quietos diante da ameaça de visitar a Daisy.

No entanto, eu havia ficado inconformado com a bronca. Ora, logo eu que sempre fui um espetáculo de ser humano, vou levar uma lambada daquelas publicamente, apenas por ter proferido uma interjeição de dor? Aquilo nem era um palavrão dado o contexto.

Então, aproveitei-me de outra oportunidade de dar um passeio pela classe e simulei uma nova pancada na mesa. Desta vez, no entanto, adequei o linguajar aos bons modos esperados pela Selma, mas de forma que ela percebesse a incoerência de não usar palavrões diante de um dedo latejante. Logo após a topada simulada, esbravejei como se cuspisse a frase toda numa só palavra:

- Ai-minha-nossa-senhora-valei-me-de-vossa-benevolência-divina!
- Marcio, já pra Dayzzzy!! - com voz de língua-presa.
- Mas, Selma, eu não falei palavrão nenhum!

Infelizmente, a Selma não captou minha ironia. Na verdade, captou, mas não gostou da atitude. Tentei relatar o fato com riqueza de detalhes para a Dayse, mas ela não me apoiou, passou-me um 'sabão' e me fez ficar o resto da aula na Diretoria.

Nunca entendi porque tamanha intolerância da Selma diante de uma pequena ironiazinha. Havia uma afirmação importante por trás daquilo que pra ela parecia apenas um desaforo. Já da Daisey, o que esperar? Ela tava muito parecida com o Walter Dávila naqueles dias. Acho até que houve um momento em que a ouvir dizer "sábo-lho!", mas isso deve ter sido apenas delírio da minha mente influenciado por sua imagem.

O que importa é que esse episódio me serviu de lição. Aprendi que não devemos ironizar nossos educadores. O melhor comportamento é imitá-los pelas costas ou ridicularizar suas características através de piadas sarcásticas, mas sempre de forma velada. (O processo educacional dos adolescentes da minha geração era mesmo incrível, não acham?)

Um comentário:

Duda Camargo disse...

Só digo uma coisa: foi uma das coisas mais engraçadas que eu vi na vida!!!!!!!