domingo, junho 21, 2009

Ácido e injusto, mas o Saramago pode

Li na Folha Online um comentário do Saramago sobre os blogs. Dizia que por causa deles, hoje se escreve mais e pior. Em que pese o fato de o autor premiado ter cultura e conhecimento fora da curva, há um pouco de realidade e um pouco de incompreensão nessa ácida afirmação.

Na verdade, o próprio autor do "Ensaio sobre a cegueira" se deixou seduzir pela blogmania e criou seu espaço (o endereço está e esteve desde que foi criado, há uns 6 meses, na minha lista de links aí do lado). A diferença é que o romancista Português não escreve diretamente no site, mas sim divulga seus posts através de um assessor. Mas mesmo tendo sucumbido ao novo canal de comunicação (mais por influência dos seus editores que por curiosidade própria), o autor afirma que dedica a cada post o mesmo cuidado dispensado a um romance (o que talvez não lhe permita compreender porque as pessoas escrevem de forma diferente na Internet).

De fato o texto de um blog tende a ser mais curto, informal e descompromissado com as regras da norma culta. Mas acredito que o que se perde em forma e rigor se ganha em inovação e criatividade. Os posts-pílula permitem que a gente conheça mais de seus criadores, vivencie seus dilemas existenciais e compartilhe suas opiniões de forma ampla, que raramente acontece na literatura escrita. Alguém conhece a visão de mundo do Saramago, exceto pelo que se vê nas eventuais entrevistas que ele conceda? Claro que não, simplesmente porque o meio escrito não viabiliza esse grau de intimidade, como faz o blog.

Um post tem múltipla finalidade: desabafo, confissão, autoentendimento ("o novo divã", como diz minha amiga), busca por compartilhadores de afinidades, desejo de expressão. E muitas vezes, mesmo um post curto, contém todos esses elementos juntos. E para atender a certas finalidades enumeradas, a dinâmica é mais importante do que o esmero, daí a imprecisão inerente do canal. Eu por exemplo, quando escrevo um texto um pouco mais longo e estruturado (como este), procuro fazê-lo com atenção à grafia. Mas quando comento ou crio posts com idéias curtas e voltadas para fim menos nobre, não raramente omito cedilhas e acentos, atropelo as ênclises e ignoro normas de estilo. E ainda assim, acredito que há ganho nessa opção.

Em outras palavras, não discordo totalmente do argumento do pai do "Evangélio segundo Jesus Cristo", mas acredito que o distanciamento e o baixo interesse em relação aos blogs acabaram por impedir seu pleno entendimento. Blogs são bons porque são imperfeitos e inesperados como a vida - aí está seu valor e sua graça.

Nem por isso deixarei de ler os romances (e o blog!) do escritor lusitano. Mas cabe ainda um último pensamento: não é estranho ouvir uma crítica à falta de formalismo do blog vindo daquele que construiu uma carreira na literatura em função da criação de um estilo inovador, inusitado e não formal de composição, baseado na destruição da pontuação e dos períodos da norma culta?

3 comentários:

Silvinha disse...

amei esse post, giacca!
e as vezes acho que o cara é um saramala...

Julio Ernesto Bahr disse...

Olá, Marcio,
Concordo plenamente com vc. Mas talvez, sem querer defender o cara, ele tenha se referido aos comentários dos leitores aos posts dele. Tenho recebido "pérolas" de comentários aos meus blogs, sem conteúdo, incompreensíveis, com erros absurdos de português, gente que não entendeu nada do que está escrito. Chega à beira do analfabetismo. Não se trata somente da liberalidade da linguagem informal, como você escreveu. E a maioria se esconde no anonimato. É de doer!

giacca, synbad, tchuca... disse...

É, seu Julio, tem razão. As pessoas estão escrevendo cada vez pior mesmo. Talvez fosse disso mesmo que o cara estivesse falando...