terça-feira, dezembro 23, 2008

É quase um Nike, mas o falsificado não serve pra correr...

Sou da geração que conheceu a "Promocenter" na adolescência. Um paraíso de eletrônicos de segunda, made in China ou arredores, que funcionavam quase sempre, quase igual ao original, por um preço bem aquém. E justamente por ser muito mais em conta é que as pessoas pagavam pra ver.

Mas a Promocenter não era um paraíso de eletrônicos. Era uma sucursal do paraíso e, como acontece nas unidades estendidas de alguns serviços, a qualidade era distendida (ou seja, inferior). E não é à toa que todo mundo que comprou numa "sucursal" tem sempre uma história desagradável pra contar, que começa com "uma vez numa daquelas lojinhas de muamba" e termina com "eu queria matar o china fdp!".

Esse hábito de replicar tecnologia a custos infames e vender para a classe média sem recolher impostos não é exclusividade dos chineses, coreanos, tailandeses, singapurenses que vivem no Brasil. Isso acontece em todas as cidades que têm uma "China Town". A presença global garante a escala e o fato de serem descendentes dá certa proteção ao negócio e viabiliza um tipo de comércio fundamentado em um conjunto de leis de fazer tremer qualquer docente de Marketing. Náo há garantia, não se pretende fidelizar o cliente, não há preocupação com marca, não se pretendem cumprir as obrigações fiscais, legais etc.

Ao meu vez, o maior problema desse modelo não está na ponta do consumidor e sim na do legado para o país produtor. Quando o rádio quase bom quebra, a gente amaldiçoa o china, joga fora e compra outro, numa loja, com nota fiscal, a um preço honesto. Mas na outra ponta, os chinas criaram uma inércia que só funciona na base do copia-e-faz-mais-barato. Pouquíssimos chinas dessa cadeia produtiva foram estudar eletrônica pra desenvolver produtos e competir dignamente. O inglês joga o rádio chinês fora e compra um rádio inglês que funciona. O china não tem substituto de qualidade.

Fiz esta exposição toda pra comentar um fato, que na minha análise de botequim, é um efeito do legado acima descrito, presente na mídia hoje.

Em 2000, os ingleses criaram aquela que foi a maior roda gigante do mundo (135 metros de altura), a London Eye. A obra levou 3 anos pra ser construída e obrigou os engenheiros ingleses a desenvolverem tecnologias específicas para garantir que a roda, a primeira com cabines externas à estrutura de sustentação, funcionasse ininterruptamente e com conforto. Os engenheiros conseguiram e após 8 anos em funcionamento, a roda só parou para manutenções programadas, sem acidentes.

Neste ano, os singapurenses resolveram imitar o feito. Construiram uma cópia da London Eye, com 30 metros a mais de algura. Afinal, não basta imitar o original, é preciso oferecer algo a mais (no caso do rádio é o preço menor; no caso da roda gigante, é a altura aumentada). Mas aparentemente os engenheiros de Singapura sofrem do legado industrial do negócio baseado em imitação e não parecem ter sido capazes de copiar com qualidade.

Após apenas 8 meses de inauguração, a Singapore Flyer já apresentou 3 defeitos, envolvendo risco para os usuários. No de hoje, 170 pessoas ficaram presas durante 6 horas, tempo que a equipe de emergência precisou para remover as vítimas.

Assim como eu aprendi a não comprar rádio na Promocenter, vale a pena questionar os passeios no mundo da imitação. Se eu visitar Singapura, tiro foto à distância da roda. Em Londres, entro sem medo no brinquedo (novamente, por sinal). Afinal, o Nike falsificado é bom pra ver, mas não serve pra correr de verdade...

Nenhum comentário: