quarta-feira, outubro 13, 2010

Se pelo menos tivesse sido o Chip's...

Ontem, em pleno feriado, paguei um mico. Por volta das 16hs, estava no meu carro, na Av Birgadeiro Luis Antônio, indo em direção à Paulista. Eu queria atravessar a avenida em direção ao centro e, alguns metros antes da travessia, o sinal ficou amarelo.

Eu, brasileiro, solteiro, metido a malandro, achei que era safo e tentei "aproveitar o sinal". No meio do cruzamento, que é longo, os carros que vinham do Paraíso começaram a se mover e eu percebi que não conseguiria concluir a travessia, fazendo uma brusca virada à esquerda, na própria Paulista.

Como malandro só se dá bem no morro, no presídio ou no Congresso, e eu não pertenço a nenhum destes grupos profissionalizados de bandidos, tive um destino diferente. Logo atrás de mim, duas motos de policiais deram sirene e sinal para eu encostar. Quando já estava na faixa da direita, abri o vidro e recebi ordens para encostar no próximo bolsão, depois do ponto de ônibus.

- Documento do carro e carteira de habilitação.
- ...
- Sr. Marcio, o senhor já teve problema com a Polícia antes?
- Não, nunca.
- Desça do carro, por favor.

Ele me pediu para ficar longe do veículo, perto da grade de um portão. Pela primeira vez, me senti um desses sujeitos que são revistados na calçada. Não sei se porque sou caucasiano, mas o policial não chegou a me revistar, somente fez verificações dos meus dados pelo rádio. Não havia nada de errado, nem no carro, nem histórico na minha carteira, nem nada que fosse suspeito.

- ...
- Eu nem preciso dizer pro senhor o que o senhor fez, não é mesmo?
- Não. Eu sei que errei. Fui querer tentar "aproveitar o sinal" e...
- Por 10 segundos o senhor podia ter feito muita bobagem. Causado acidente, matado alguém. O carro é uma arma. Podia ter derrubado eu e o meu colega, atropelado um pedestre...
- ... Me multa e me deixa ir logo - pensei (sempre em itálico).
- Eu pedi pro senhor descer do carro porque é comum as pessoas que estão com carros furtados fugirem da gente no sinal. Mas não foi isso.
- ... Não foi, eu não roubei o carro, só quis economizar tempo e dei azar.

Enquanto eu ouvia o John me passar o sabão, o Poncherello, já com meus documentos na mão, preenchia um talonário de multas. E ele já estava há uns 10 minutos fazendo a ocorrência. Demorava tanto que já deixava o colega sem assunto, uma vez que este logo percebeu que eu não era mau elemento, apenas um cidadão de bem que havia feito uma cagada (graças a Deus, sem maiores consequências).

- O senhor viu esses dias o que aconteceu na TV? Com um sujeito que roubou um carro e fugiu da polícia?
- Não, não vi. O que foi? Me conta porque da próxima vez eu já sei como fugir...
- O sujeito atropelou dois policiais motorizados, depois continuou fugindo, atropelou mais dois policiais de moto, entrou na contramão, bateu em outro carro de polícia, e só parou porque ficou prensado contra um ônibus...
- Nossa, alguém se feriu? Melhor eu continuar sendo simpático. O que eu não preciso é causar emoções fortes ou demonstrar impaciência diante de um fato relevante para o oficial.
- Só escoriações leves...
- Tem gente que é tão do mal que não quer se entregar...
- ... Pois é, não desiste!

Enquanto o John improvisava e fazia sala para mim, em plena Paulista, o animal do Poncherello continuava olhando enigmático para o talonário. O que existe de tão desafiador naquele preenchimento?? E o homem-da-lei prosseguia na sua tentativa de puxar papo.

- Aqui na Paulista é muito perigoso em dia de feriado.
- É mesmo? Por quê? Bom, pelo menos você já viu que eu não sou bandido. Agora quer aliviar. Tudo bem, fiz cagada mesmo, tenho que aguentar quieto. Mas não pense que eu vou pedir pra dar um jeitinho, que eu assumo minhas merdas. Pede lá pro Poncherelo agilizar, vai...
- Tem muito turista, muita gente passeando, achando que como é feriado tá tranquilo. Os garotos sobem lá de baixo, do que seria uma favela, digamos, e sabem que são de menor, que não podem ir presos, aí passam aqui de bicicleta ou de skate e "batem" celulares, carteira, máquina fotográfica.
- Caramba... Porra, Poncherello, tem jeito?...

O Poncherello deve ter tido problemas na escola e não deve ter concluído a alfabetização. Porque não é possível que para copiar a porra da placa, um nome, e fazer um "X" em duas infrações gravíssimas o cara precisasse de tanto tempo. Mas precisava. E foi aí que eu percebi a capacidade de improvisação que a Corporação desenvolve em seus oficiais.

- O clima tá muito estranho, já era pra estar mais quente. O ser humano faz as coisas e acaba vendo as consequências...
- É, é o aquecimento global. O clima tá diferente mesmo. Quer dizer, agora eu vou ter que ouvir comentários sobre as intempéries vindo do narciso-vernize-de-farda. Multa, mas não fode...
- O verão já não foi verão direito, agora o inverno não termina...
- ... E a bicha-alada do seu amigo Poncherello aprendeu a escrever com o Tiririca, porque já faz 15 minutos que o animal de tetas está tentando me autuar e não acaba!  É o tempo tá todo louco mesmo...

Finalmente, o Poncha recebeu uma luz de habilidade grafológica, talvez pela alma do Saramago que estivesse passando pela Paulista, e se aproximou com o talonário. Mas foi o John mesmo que fez as honras.

- Sr. Marcio, o senhor não é obrigado a assinar essas infrações.
Tá louco! Se eu não assinar, é capaz do Poncherello ter que preencher meu endereço, ou qualquer outro procedimento, e o meu saco vai explodir! Me dá essa merda que eu assino! Não, eu vou assinar. Reconheço que errei, não tenho por que não assinar.
- O senhor vai recebê-las de qualquer jeito pelo correio, caso não queira assinar.
- Já falei que vou assinar, tira a caneta da mão do aprendiz-de-Lula e me dá logo essa porra! De forma alguma, eu assino.

Consegui tomar a caneta do Poncherello, que, além de analfabeto, tinha problemas de coordenação motora e ficou se enrolando todo para tirar o papel-carbono do meio das duas vias. Assinei no local indicado e devolvi a caneta. Aí, o Poncha resolveu falar (o que eu já tinha dúvidas se ele era capaz de fazer).

- Além de o senhor ter atravessado o farol vermelho, fez uma conversão proibida, porque não pode entrar na Paulista à esquerda vindo da Brigadeiro.

- Entendi. Eu assinou a outra também... Ainda bem que eu sou extremamente educado, senão vocês iam me multar por desacato à autoridade. Se fosse o caso eu ia me recusar a pagar inteira: o John até que foi profissional, mas esse Poncherello tá de lascar! Toma, enfia no cu esse canhoto...
- A segunda via é do senhor.

E lá se foram mais uns dois minutos para que Poncha, o malabarista escritor, conseguisse destacar as minhas vias. Com as cópias das infrações assinadas e meus documentos de volta, fui autorizado a voltar para o carro e dirigir com cuidado.

- Sr. Marcio, obrigado, lembre-se que o seu carro é uma arma! 10 segundos podem fazer muita diferença.
- Tem toda razão. Obrigado. E deixa eu ir logo embora que já perdi até o tesão de passear de carro. Aproveita para matricular o Poncherello no Mobral. Eu sei que fiz merda, mas a pior parte é essa rotina de conscientização.

Entrei no carro, dei seta, voltei para a Paulista. E não fiquei, pela primeira vez na vida, na faixa da direita, disputando espaço dos ônibus. Vai que o Poncha consegue escrever melhor em cima da moto... Não sei. Ainda acho que se eu tivesse sido abordado pela dupla do Chip's a história seria muito mais interessante. E o Poncherello deve saber escrever direito...

6 comentários:

Fabio Christianini disse...

Tchucca. Gostaria de compartilhar uma história parecida.

Eram 3 da manhã de uma sexta feira. Eu voltava de uma noite de trabalho (era músico na época) e num cruzamento que eu julgava perigoso acabei furando um sinal vermelho.

Para o meu azar, havia um carro de polícia bem atrás de mim. Eles me abordaram e me pararam sob as mesmas condições.

Infelizmente (para mim), não tive a mesma paciência que vc teve.

Depois da seção de conscientização, fui vítima da historinha do "Vc veio da balada, seu pai é quem vai pagar a muta mesmo...". E apesar de tentar provar que trabalhava numa banda (todo meu equipamento estava no meu carro...) e estava preocupado em evitar um assalto, acabei soltando a seguinte pérola: "Meu amigo sofreu um sequestro-relâmpago ontem. Onde o sr. estava? Multando alguém q furou o sinal?"

E esse foi o motivo de ter perdido a carteira por um ano...

By the way... O Jon Baker não poderia ter te multado pelo fato dele estar preso. Seu Avatar, Larry Wilcox, foi pego fazendo operações ilegais na bolsa de valores... O Ponche teria q te multar sozinho...

mélis disse...

SEN-SA-CI-O-NAL! hahahahaahaha

Como é de se esperar, eu nunca vi John e Poncherello mais gordos.. Mas, Meeeu, lí esse post te procurando online, olhando pros lados querendo dividir as gargalhadas, sabe?

Eu nunca fui parada por guardas e ser menina, caucasiana, bochechas rosadas e tal, faria a historia ser diferente... Mas eu sempre tive medo de não entender os sinais pra 'encostar' e iniciar involuntariamente algum tipo de perseguição.

Silvinha disse...

to rindo muito. to gargalhando. to quase chorando de rir. pela deliciosa fluencia do texto, pelo inusitado do tema e, acima de tudo, por conseguir visualizar perfeitamente a situacao: voce tomando sermao do village people...
genial, genial!

Lavi disse...

Olha, se o Poncherello for leitor de blogs, e´capaz dele cair aqui e você vai ver como é bom mexer com a PM

Duda Camargo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!!!!!!!!!!!!
Sensacional!!! Isso devia virar um livro!!!

Aliás, minhas fontes na corporação disseram que o Poncha leu esse post e resolveu escrever um comentário pra deixar aqui.

Parece que em agosto ele te envia.

Unknown disse...

Nossa, plena madrugada (pra variar) depois do feriadao e eu estou me acabando de rir....De onde vc tira tanta inspiração? Pra não dizer outra coisa? Bjs, bjs, bjs